Credulidade
os homens às vezes são puros como
crianças a comer um gelado
e acreditam nos deuses que povoam as
manhãs de reflexos dourados
e que cantam canções de embalar para os
bichos adormecerem
na lentidão infinita do calor dos dias
os homens afastam com as suas melopeias
os monstros
que vão ensurdecer e enegrecer outras
paragens
para os deixarem sonhar de um prazer
prolongado
enquanto o gelado se derrete
as tardes evolam-se e os homens crêem na
duração do silêncio
na inteireza absurda da verdade
na paz absoluta de qualquer porto seguro
e os silvos que se ouvem ao longe e
ameaçam os ares
dissolvem-se por dentro do açúcar e do
chocolate
e do canto dos homens e dos deuses
cheira a plenitude
quando às vezes os homens são puros como
crianças a comer um gelado
e os homens nos andaimes incendeiam o
seu coração apagado
gritando ao vento melodias em que nunca
pensaram
adoecendo de prazer