Senhor Ministro da Educação:
Estou feliz, sou professora,
diretora de turma e, para cumprir os inúmeros pontos da Ordem de Trabalhos da
última reunião de avaliação, fiz uma ata com 11 páginas e 86 anexos.
Anexo 1: aulas previstas e dadas de
cada disciplina e conteúdos não lecionados por cada professor e respetiva
justificação; anexo 2: prémios de mérito; anexo 3: dificuldades diagnosticadas
na turma ao longo do ano a todas as disciplinas; anexo 4: medidas disciplinares
aplicadas ao longo do ano; anexo 5: apoios educativos a implementar no próximo
ano letivo; anexo 6: atividades da turma ao longo do ano, inseridas no Plano
Anual de Atividades; anexo 7: PEST (Projeto de Educação Sexual em contexto de
turma).
Depois há os anexos não numeráveis
e pertencentes a outra casta, sendo específicos de cada aluno e a maioria em
número variável, de acordo com a turma.
Relatórios de apoio pedagógico
acrescido: 8 a Físico-Química; 14 a Matemática e 9 a Inglês. Propostas de apoio
para o próximo ano: 6 a Português; 3 a Espanhol; 8 a Inglês; 12 a Matemática e
8 a Físico-Química. Um relatório de PSE de Matemática; duas propostas de
Tutoria; um relatório de Tutoria; uma proposta para os Serviços de Psicologia e
um documento para o encarregado de educação autorizar ou não a sinalização do
aluno; um parecer dos Serviços de
Psicologia; dois relatórios para a CPCJ; uma comunicação da CPCJ; um relatório
para um aluno com Necessidades Educativas Especiais.
Contei bem, Senhor Ministro? 86
anexos! Elaborados, conferidos e assinados. Em número variável de acordo com a
turma. Baseados em inúmeros Decretos-Lei e Despachos que não importa referir
aqui. Amanhã irei proceder às matrículas dos meus alunos. São só mais 10 papéis
para digerir e preencher!
Esta é só uma minúscula parte do
trabalho feito pelos professores numa altura do ano em que a opinião pública
supõe que estão de férias. E ao longo do ano, para qualquer professor, mesmo
com aulas, continua a saga dos papéis, das reuniões, da burocracia e da
legislação.
Senhor Ministro, estou cansada.
Resta-me pouco tempo para preparar as minhas aulas. Aulas pensadas de forma a
incutir o espírito crítico nos alunos que constituirão a sociedade do futuro.
Resta-me pouco tempo para ensinar, que é o que verdadeiramente gosto de fazer.
No entanto, a engrenagem está bem montada. Alunos interrogativos e sapientes
tornam-se adultos incomodativos. Os meus alunos passaram todos. Muitos ao
abrigo da Santa Legislação.
Quanto aos professores, ganham bem,
não fazem nada, têm muitas férias ao longo do ano e por isso têm 9 anos, 4
meses e 2 dias da carreira congelados, sem progredir. Passámos a ser números,
não pessoas.
Graça Alves