Caminhos

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Porque não pode haver outra forma senão a de existir tal como somos...

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Porque fazer mal aos outros é o mínimo exigível, e há tanta maldade no mundo e em certos seres humanos, escrevi um texto sobre a bondade. Aproveitei a recente morte de Jorge Sampaio para o fazer. O artigo saiu no jornal Público de ontem, dia 26 de setembro. Fiquei feliz! 


A bondade

No passado dia 10 de setembro morreu Jorge Sampaio, que completaria 82 anos de idade no dia 18 de setembro. Foi político e marcou gerações, ascendeu a um dos mais altos cargos da nação. Fez História.

Penso que, no mundo atual, a ideia que o cidadão comum mais liga aos políticos é a de corrupção. É comum ouvir-se dizer "eles querem é tacho" ou “poleiro”; que são inimputáveis, que "se fôssemos nós", iríamos logo para a prisão e outras expressões dentro do género que traduzem que o político não gere de forma capaz os destinos do país, porque tem em conta, em primeiro lugar, as suas prioridades e interesses pessoais.

Mas Sampaio era político e era bom. Foi, aliás, a expressão mais comum entre os analistas e os entrevistados "morreu um homem bom". Não se viu uma multidão nas ruas, como observou levianamente um analista, fazendo por minimizar a popularidade deste político, mas não seria certamente necessário ir para a rua, para que o povo lhe pudesse prestar homenagem, ainda mais na situação pandémica atual. Por mim, fiquei a ver as cerimónias através do televisor, com o devido respeito e com a lágrima ao canto do olho, especialmente na parte do discurso dos filhos, ao dedicarem à mãe as suas últimas palavras "estamos aqui contigo e sempre para ti". 

A bondade ficará colada, talvez para sempre, à imagem de Sampaio. Mas que importância tem a bondade no mundo em que vivemos? Qual o lugar que lhe concedemos num mundo movido pelo lucro financeiro e pelos interesses pessoais, pela ganância e pelo oportunismo? Não tem, para a maioria das gentes, importância nenhuma, e a ter lugar, será sempre e apenas um lugar secundário e acessório. 

Para que a bondade tivesse no mundo o lugar a que tem direito, seria necessário pensarmos que o bem comum deveria ser a nossa prioridade, porque o bem comum é também o nosso bem. Os políticos têm responsabilidade na quota-parte da bondade que dão ou deveriam dar ao mundo? Têm. E nós? Também, por menor que seja a contribuição.

O melhor para os outros será darmos-lhes sempre o melhor de nós e dar o melhor de nós será sempre o melhor para nós e para todos.

Graça Alves




 


quarta-feira, 21 de julho de 2021

 

Por este Douro acima.

Olhar é bom, saber ver ainda é melhor.

Andamos durante anos alheados, desatentos, imersos em outros mundos que a idade nos impõe. E depois, quando finalmente decidimos estar atentos, acordar e ver à nossa volta, ouvimos a Natureza a pedir-nos um olhar, uma reverência, um agradecimento, uma homenagem. Centro a minha atenção no espaço circundante. O comboio está cheio de gente, mas não me disperso. De pé, entre duas carruagens, num lugar não suposto, encostada à grade de ferro que limita o acesso à escada de saída, sorvo a plenos pulmões a vida, segundo a segundo. Quero sentir o ar veloz a bater-me na cara. Contemplo o espetáculo dos múltiplos verdes e azuis à minha frente, admiro os mistérios da Natureza, calculo as  dezenas de histórias guardadas por estes vales e montanhas, segredos de vidas árduas, traçadas nos meandros da sorte e do destino. São quilómetros de vinhas em socalcos a perder de vista. Íngremes encostas, onde as oliveiras, apoiadas em solos de xisto, também fazem cor. O rio passa largo, sereno e indiferente, a ensinar-nos que a imensidão não é nossa. O silvo da locomotiva 0186, construída em 1925, atroa os ares. As rodas chiam sobre os carris. Das margens, há quem nos acene. Sinto um respeito solene por isto tudo e obrigo-me ao silêncio, como se estivesse no interior de uma imponente e imensa catedral.