Caminhos

Caminhos
Porque não pode haver outra forma senão a de existir tal como somos...

sábado, 29 de julho de 2017



Lar

Hoje fui visitar uma amiga no lar onde está. Um dos mais caros e bem conceituados que há por estas bandas. Foi minha professora de francês no 12º ano. Apesar de já ter alguma idade, está bem e lúcida. Apenas a mobilidade requer um braço amigo. Acompanhei-a do quarto privativo até à sala de refeições comum onde foi lanchar. Da primeira vez que a fui visitar tive outra impressão. Ela fez-me na altura uma visita guiada pelos diversos espaços e tive a sensação de estar num grande hotel. Hoje essa boa impressão desvaneceu-se. E não foi por a minha amiga me ter dito que vai mudar, por o lar estar a perder qualidade no atendimento devido à falta de funcionárias, o que faz com que ela fique duas horas sentada à espera que lhe vão trocar a roupa.
Foi porque à hora do lanche os velhinhos eram muitos e os seus corpos e olhares transmitiram-me sensações aterradoras. A minha amiga falava e fazia perguntas e eu lá fui conversando com ela, sem me conseguir abstrair totalmente do ambiente em que me encontrava. Uma funcionária para dezenas de velhinhos! Havia uma velhinha de cadeira de rodas que falava a cantar e dizia inúmeras vezes a mesma frase. "Eu vou fazer chichi! Eu vou fazer chichi..." "Eu quero um copo de água, eu quero um copo de água..." "Eu quero um iogurte e um pacote de bolachas, eu quero um iogurte e um pacote de bolachas..." A velhinha ao lado dela dizia "cale-se, hoje não há copo de água, não seja mal-educada!". A velhinha da frente olhava para ela, inerte e muda, talvez mesmo sem a ver ou ouvir. Sim, mais mulheres do que homens. Algumas, apesar do calor, com casaco de lã, outras com cachecol...
Vi retalhos de vidas nos olhares vazios, memórias perdidas no tempo, construções efémeras, ilusões, desejos contidos nas limitações do corpo...
Que somos nós afinal? Deuses com pés de barro? E que mundo é este que estamos a construir?

A minha amiga














quarta-feira, 26 de julho de 2017

Dar voz aos outros


Ouvir os outros é importante e enriquecedor.
Deixo aqui dois poemas de duas amigas.
"Discordo" - Quantas vezes discordamos de nós próprios? Quantas vezes nos traímos nas nossas convicções?
"Menina de Azul" - Depois, sem querer, saltamos da infância e vem a dura consciência de todos os males humanos e o saber que a água do rio corre e que nunca é a mesma e que logo, logo, chegaremos ao mar.
Fomos cá colocados e cada um de nós, consciente de erros e falhas, tem de navegar o melhor que puder.
Boas férias e boas leituras!


Discordo


Discordo
quase em absoluto
de certas posições
que o meu coração assume

Também discordo
quase em absoluto
de certas posições
nas mesmas causas
que a minha razão assume

Assim, sou dissidente

Dissidente de mim própria

Absolutamente

Isabel Maia, Uma Existência Outra, Palimage


Menina de azul


Em todos os relógios
da cidade, os ponteiros
marcam a hora
inesperada da inocência.
Tudo parece perfeito,
excepto o meu rosto
de menina, asfixiado
na moldura do tempo.

Graça Pires, Fui quase todas as mulheres de Modigliani, poética edições

Em direção ao mar