Olhar é bom, saber ver ainda é melhor.
Andamos durante anos alheados, desatentos,
imersos em outros mundos que a idade nos impõe. E depois, quando finalmente
decidimos estar atentos, acordar e ver à nossa volta, ouvimos a Natureza a
pedir-nos um olhar, uma reverência, um agradecimento, uma homenagem. Centro a
minha atenção no espaço circundante. O comboio está cheio de gente, mas não me
disperso. De pé, entre duas carruagens, num lugar não suposto, encostada à
grade de ferro que limita o acesso à escada de saída, sorvo a plenos pulmões a
vida, segundo a segundo. Quero sentir o ar veloz a bater-me na cara. Contemplo
o espetáculo dos múltiplos verdes e azuis à minha frente, admiro os mistérios
da Natureza, calculo as dezenas de
histórias guardadas por estes vales e montanhas, segredos de vidas árduas, traçadas
nos meandros da sorte e do destino. São quilómetros de vinhas em socalcos a
perder de vista. Íngremes encostas, onde as oliveiras, apoiadas em solos de
xisto, também fazem cor. O rio passa largo, sereno e indiferente, a ensinar-nos
que a imensidão não é nossa. O silvo da locomotiva 0186, construída em 1925, atroa
os ares. As rodas chiam sobre os carris. Das margens, há quem nos acene. Sinto
um respeito solene por isto tudo e obrigo-me ao silêncio, como se estivesse no
interior de uma imponente e imensa catedral.