Caminhos

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Porque não pode haver outra forma senão a de existir tal como somos...

domingo, 9 de abril de 2023

 

Tempo de Páscoa.

Depois das grandes chuvas, o chão cobria-se de flores miúdas e de verde. A geada abandonava as ervas dos passeios de terra e os telhados das casas. A Natureza renovava-se num êxtase de cores pelos prados e as crianças viviam mais felizes, perdendo-se no meio de corridas e gritos. A roupa branca esvoaçava nos varais improvisados de rua, alguma ficava a corar ao sol nos arbustos, espingalhada de vez em quando, com água de um alguidar, pelas mãos diligentes da avó, para que nunca secasse. A roupa era lavada no grande tanque de cimento que servia para os meus banhos, quando o tempo começava a aquecer. Os carros de rolamentos voltavam à rua, precipitando-se a grande velocidade pelas descidas…

Sente-se o cheiro a mirra e a incenso, à medida que o padre abana o incensório na direção dos ramos que levamos à igreja para benzer. A procissão estende-se a perder de vista. Fazemos vénias no meio de oliveira, alecrim, louro, palma, flores e muita cor. Na missa cantamos e nos momentos de silêncio e recolhimento há o respeito em que se pede saúde, paz para o mundo e perdão dos pecados. Há fé nos rostos, algumas lágrimas, esperanças e sorrisos. Harmonizamo-nos. Deus é só um e é para todos.

No Domingo a seguir apanhávamos hastes de ramos de árvores e flores que desfolhávamos para pôr nas entradas das casas. O padre, assim, sabia que podia entrar ali com a cruz para beijarmos. Ouve-se a sineta ao longe, há quem tente adivinhar se está longe ou perto, ou mesmo em que casa já está. Em cima da mesa havia uma laranja, em cima dela cinco escudos e um envelope branco com dinheiro para a igreja. Alguns doces. A toalha era branca e de renda, daquela que a mãe fazia nas tardes longas de domingo. Muitas pessoas acompanhavam o padre e iam de casa em casa, onde se partilhava bebida e comida. O bairro vestia-se com as suas melhores roupas para celabrar a Ressureição de Cristo e das almas.

Era um tempo de interação e amizade em tempo real, de beijos e abraços, de bom-dia, de desculpe, de obrigado e de até já.

Que não se percam os valores!




10 comentários:

  1. A Páscoa, que antes era uma festa que envolvia toda a comunidade, deixou de ser, infelizmente, aquilo que era, restando apenas parcos vestígios. O mundo mudou, e de que maneira.

    Uma Feliz Páscoa, Graça :)

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  2. Doce Páscoa e um abraço com voto de boa semana.

    :)

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  3. Tão visual este seu texto, que me pareceu estar a ver cada um dos pormenores que relata. Belíssimo!
    Desejo que tenha tido uma boa Páscoa.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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  4. O importante mesmo é que não se percam os valores, como diz no seu magnífico texto.
    Boa semana, amiga Graça.
    Um beijo.

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  5. Lembro-me da Páscoa ser assim, quer aqui na cidade, quer na aldeia da minha mãe, onde passei duas ou três Páscoas.
    As coisas mudaram tanto...nós hoje temos muito mais, materialmente falando, o que é bom, mas temos menos na relação e no tratamento uns com os outros; as pessoas são mais egocêntricas e pouco preocupadas com os que os rodeiam. Há uma falta de respeito pelos outros, que me enerva, e o mais gritante é que muitas vezes as pessoas não têm essa noção, acham que têm os seus direitos, mas nem se importam se esses direitos entram em conflito com os direitos dos outros.
    Enfim, haja esperança num futuro com mais humanidade.

    Beijinhos e um bom fim-de-semana:))

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    1. Eu também penso assim, mas, infelizmente, não sou tão otimista!
      Beijinhos

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