Realidade
virtual editada
Sim, digamos que
voltei temporariamente, após outra longa ausência: o trabalho, a luta diária e
a mãe inválida de cadeira de rodas afastam-me da escrita pública que requer o
seu tempo de maturação / edição e para a qual não tem havido oportunidade.
Hoje quero falar
de realidade virtual editada. O verão está quase a terminar e, como quase todos
nós tivemos oportunidade de ver, as redes sociais encheram-se de destinos de
sonho, de fotos sem celulite e sem rugas, de bronzeados invejáveis e curvas
perfeitas, de beleza filtrada.
É inegável que
todos gostamos que gostem de nós, que todos gostamos de ter boa imagem e ser-se
belo, bonito, ter bom ar, ser charmoso, apresentar uma vida de sonho,
influencia de modo significativo a nossa imagem e a imagem que projetamos no
outro.
Deste modo, engolem-se
diariamente centenas de imagens de realidade filtrada, de frases feitas que
cabem em todos os tempos e em todos os lugares e em nenhum em particular, tentando
retardar o tempo e iludir a efemeridade, como se o tempo não passasse e como se
a felicidade fosse um estado permanente. Não é. Entra-se na dormência da ilusão
de que quanto mais bonito é o indivíduo, mais exótica a comida e longínquo o
destino, maior será a felicidade. Acaba por se viver virtualmente a vida dos
outros e, ao fazê-lo, deixa de se viver a sua própria vida. Tenta copiar-se o
que passa a ser considerado a realidade modelo, numa corrente que arrasta
multidões e as impede de pensar. A necessidade de aparecer, de estar visível é
quase uma obrigatoriedade e, sem querer, embrutece-se. Perde-se tempo útil. É
anulado o potencial de cada um que até poderia fazer chegar próximo das vidas
de sonho que se chega a invejar. (Só próximo, porque filtradas).
O facto é que por
mais bonita que seja uma foto com uma cara bonita ou com um corpo modelado, por
mais maravilhoso que um destino possa parecer, não revela os problemas, as dificuldades,
os desesperos económicos, sociais e familiares, pois cada um só mostra aquilo
que convém para transmitir a imagem que quer passar de si.
O importante mesmo
é tentar fazer uma gestão equilibrada do tempo entre afazeres e lazer e tentar
realizar algo de interessante que enriqueça verdadeiramente o dia a dia de cada
um, nem que seja por breves instantes. Mostrar ao outro a vida passo a passo deveria
ser secundário. Usufruir o momento de assistir a um concerto, por exemplo, sem
ter que o fazer de smartphone à frente da cara em diretos, por vezes, ridículos.