Lar
Hoje fui visitar uma amiga no lar onde está. Um dos mais caros e bem conceituados que há por estas bandas. Foi minha professora de francês no 12º ano. Apesar de já ter alguma idade, está bem e lúcida. Apenas a mobilidade requer um braço amigo. Acompanhei-a do quarto privativo até à sala de refeições comum onde foi lanchar. Da primeira vez que a fui visitar tive outra impressão. Ela fez-me na altura uma visita guiada pelos diversos espaços e tive a sensação de estar num grande hotel. Hoje essa boa impressão desvaneceu-se. E não foi por a minha amiga me ter dito que vai mudar, por o lar estar a perder qualidade no atendimento devido à falta de funcionárias, o que faz com que ela fique duas horas sentada à espera que lhe vão trocar a roupa.
Foi porque à hora do lanche os velhinhos eram muitos e os seus corpos e olhares transmitiram-me sensações aterradoras. A minha amiga falava e fazia perguntas e eu lá fui conversando com ela, sem me conseguir abstrair totalmente do ambiente em que me encontrava. Uma funcionária para dezenas de velhinhos! Havia uma velhinha de cadeira de rodas que falava a cantar e dizia inúmeras vezes a mesma frase. "Eu vou fazer chichi! Eu vou fazer chichi..." "Eu quero um copo de água, eu quero um copo de água..." "Eu quero um iogurte e um pacote de bolachas, eu quero um iogurte e um pacote de bolachas..." A velhinha ao lado dela dizia "cale-se, hoje não há copo de água, não seja mal-educada!". A velhinha da frente olhava para ela, inerte e muda, talvez mesmo sem a ver ou ouvir. Sim, mais mulheres do que homens. Algumas, apesar do calor, com casaco de lã, outras com cachecol...
Vi retalhos de vidas nos olhares vazios, memórias perdidas no tempo, construções efémeras, ilusões, desejos contidos nas limitações do corpo...
Que somos nós afinal? Deuses com pés de barro? E que mundo é este que estamos a construir?
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A minha amiga |